Entre as doenças epidêmicas que assolaram a cidade de Salvador desde a sua fundação, em 1549, estão a cólera morbus (1855, 1856), a peste bubônica, denominada peste negra (1855), a gripe espanhola (1918), a varíola (1563, 1897, 1919) e a febre amarela (1686, 1688, 1695, 1849 a 1854, 1919). Muitas epidemias dizimaram milhares de baianos, que se concentravam na capital e região metropolitana.
Dentre as doenças do período colonial, do império e até mesmo da nova república, as principais eram as infectocontagiosas e transmissíveis. Além disso, a tuberculose, a peste, a hanseníase (na época chamada de lepra) e doenças venéreas, principalmente a sífilis, já eram frequentes na população, algumas já se tornando endêmicas. Muitas dessas são hoje denominadas doenças “permanecentes” como a tuberculose e a hanseníase 4.
Salvador foi sede do governo geral do Brasil colonial até 1763 e ao longo do século XVIII manteve o posto de cidade mais populosa do Brasil. No contexto das doenças que emergiram, re-emergiram ou que permaneceram ao longo dos séculos, o porto de Salvador tem um papel crucial. O porto servia como um entreposto de todo tipo de mercadoria trocada no âmbito do império português5. Maior produtor de açúcar da colônia, tanto recebia produtos vindo da metrópole, quanto escoava a produção agrícola da região 6.
As atividades portuárias na cidade iniciaram-se ainda como simples embarcadouro comercial, antes mesmo do governo português estabelecer que ela seria a sede do governo geral do Brasil (meados do século XVI), e foram crescendo junto com a cidade, mesmo após a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1763 5. Com a intensificação das atividades portuárias em Salvador seguiram-se a colonização de algumas espécies de animais na área dos portos, atraídos pela facilidade de abrigo e alimentação (principalmente pelos resíduos sólidos resultantes dessa atividade), como roedores, baratas, pombos, os quais se constituem em uma fauna sinantrópica nociva.
Como todos os portos da época, o de Salvador era, além de porta de entrada de muitas mercadorias, também entrada de graves enfermidades, através de marinheiros de vários navios nacionais e estrangeiros, decorrente principalmente das péssimas condições de salubridade do porto e das embarcações. Além disso, a derrubada da mata atlântica para a plantação dos canaviais teve como consequência a proliferação de mosquitos vetores de doenças e, por consequência, a disseminação das febres. Aliada ao desmatamento, a introdução de animais domésticos, como porcos, galinhas, gado bovino, gado caprino, e outros, pode ter contribuído para disseminar as doenças transmitidas por esses animais, como a gripe, o sarampo e a varíola bovina 6.
Sem dúvida a chegada da família real portuguesa em 1808, resultou na implantação de importantes medidas para a medicina humana e para a saúde da população da época. O príncipe regente D. João VI criou, em 1808, um curso de cirurgia e anatomia (Academia Médico-cirúrgica da Bahia) e em 1809, a Provedoria-Mor da Saúde para inspecionar as embarcações, matadouros e açougues, fiscalizar os alimentos e o próprio exercício da medicina 6. Em 1811 criou-se a Junta Vacínica da Corte, para fazer a vacinação anti-variólica (descoberta em 1778). A própria Junta se encarregava da vacinação na Corte (já no Rio de Janeiro), enquanto nas demais vilas e capitanias (como Salvador) sua tarefa era fornecer a linfa ou pus vacínico para os cirurgiões encarregados da tarefa, realizada através das câmaras municipais. Após a independência do Brasil (1822) foi criado, em 1838, o Conselho de Salubridade para proibir o exercício ilegal da medicina e para coordenar as ações de combate às epidemias. A vinculação dos serviços de saúde à Câmara Municipal se manteve até 1850, quando foi criada a Junta de Higiene Pública 1.
Mesmo assim, os médicos europeus trazidos com a corte de Portugal persistiam na fundamentação da teoria miasmática e se posicionavam como detentores de um saber médico especializado, o que acabou por prejudicar a evolução do conhecimento científico. Conhecimento que só evoluiu graças ao (in)surgimento de alguns médicos da chamada “escola tropicalista bahiana” e da publicação dos primeiros artigos científicos da Gazeta Médica da Bahia, em 1866 3.
Até o final do século XIX as doenças epidêmicas não possuíam nenhum parecer definitivo, nem de sua prevenção e, muito menos, da sua cura. Eventos recidivantes causavam medo e insegurança nas pessoas, das classes mais abastadas às mais miseráveis 2.
Referências utilizadas:
- CABRAL, D. Junta da Instituição Vacínica da Corte. Disponível em: http://linux.an.gov.br/mapa/?p=2746. Memória da Administração Pública Brasileira. Coordenação Geral de gestão de Documentos. Ministério da Justiça. Arquivo Nacional. Acesso em: 6/10/2013.
- CHAVES, C.L. Anais Eletrônicos do IV Encontro da ANPHLAC. “Fluxo e refluxo” do cólera na Bahia e no Prata. 2000.
- EDLER, FC A escola tropicalista bahiana: um mito de origem da medicina tropical no Brasil. História, Ciências, Saúde- Manguinhos, Rio de Janeiro, 9(2):357-385, 2002.
- JACOBINA, AT, BATISTA, AG, MORAES, ARO, RICO, AM, SANTOS, ABS, CORRÊA, BM, SOARES, CS, MACHADO, DB, PAIXÃO, ES, ALMEIDA, ER. História e Saúde na Bahia. http://www.isc.ufba.br/saudeehistoria/Artigo_Historia_e_Saude_na_Bahia.pdf
- RIBEIRO, AV. A cidade de Salvador: estrutura econômica, comércio de escravos e grupo mercantil (c.1750 – c.1800) Rio de Janeiro: UFRJ, Tese (Doutorado) – UFRJ/IFCS/ Programa de Pós-Graduação em História Social, 2009.
- SOUZA, CMC A constituição de uma rede de assistência à saúde na Bahia, Brasil, voltada para o combate das epidemias. Dynamis, 31 (1):85-105. 2011.
- SOUZA, CMC, HOCHMAN, G. Ano de Nove, Ano de Varíola: epidemia de 1919, em Salvador, Bahia. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais Setembro/ Outubro/ Novembro/ Dezembro de 2012 Vol. 9 Ano IX nº 3 ISSN: 1807-6971 Disponível em: www.revistafenix.pro.br.