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Doença de Chagas

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A Doença de Chagas, ou tripanossomíase americana, é uma doença parasitária de vertebrados mamíferos (incluindo os humanos) presente no continente americano, provocada por uma espécie de protozoário flagelado da família Trypanosomatidae, o Trypanosoma cruzi. Étransmitida por insetos hemipteros hematófagos da família Reduviidae, sub-família Triatominae, conhecidos no Brasil como “barbeiros” 8. Veiculados pelos triatomíneos, o T.cruzi circula geográficamente entre seres humanos e animais do sul dos EUA até a Argentina desde os tempos pre-históricos, há pelo menos 7.000 anos 3.

O Trypanosoma cruzi caracteriza-se pela presença de um flagelo e uma única mitocôndria, e por se manter em desenvolvimento em dois tipos de hospedeiros, um vertebrado (portador ou reservatório) e outro invertebrado (vetor ou transmissor da doença). Nos vertebrados apresenta-se sob a forma de tripomastigota (forma delgada infectante, com flagelo) no sangue e como amastigota (forma arredondada ou oval, sem flagelo), nos tecidos. Nos insetos triatomíneos encontram-se nas formas epimastigota e tripomastigota (ou forma infectante) 5.

O mamífero se infecta durante o repasto do triatomíneo (hematofagia), quando este último elimina os protozoários na forma tripomastigota metacíclica em suas fezes. Uma vez penetrando na pele do vertebrado, os protozoários são fagocitados por células do sistema mononuclear fagocitário (macrófagos) da pele ou mucosas, perdem o flagelo (formas amastigotas) e se multiplicam por divisão binária simples nos próprios macrófagos, o que pode provocar a morte do hospedeiro (principalmente em crianças). A partir daí, as formas amastigotas desenvolvem o flagelo (tripomastigotas) e ao se romper os macrófagos caem no seu interstício e na corrente circulatória, disseminando-se e produzindo novas áreas de inflamação multifocal em diversos órgãos. Dessa maneira, cumprem novo ciclo celular ou são destruídos por mecanismos imunológicos do hospedeiro. Quando o hospedeiro desenvolve resposta imune eficaz, a infecção diminui e tende a ficar crônica, assintomática ou sintomática. Os protozoários podem ainda ser ingeridos por novos insetos triatomíneos hematófagos, onde cumprirão seu ciclo extracelular 8.

Todo triatomíneo só é capaz de procriar e se desenvolver realizando a hematofagia durante as suas 5 primeiras fases de vida até adulto. Os adultos são capazes de copular várias vezes e uma fêmea de Triatoma infestans, por exemplo, é capaz de botar até 300 ovos durante a vida, que pode durar cerca de 18 meses. O período médio de incubação é de 20 dias 5.

Os triatomíneos são insetos ativos durante a noite, o que permite o seu encontro com o hospedeiro vertebrado durante seu período de descanso, para realizar o seu repasto (hematofagismo) com tranquilidade. Quanto mais repastos o triatomíneo realize, mais aumenta a chance dele se infectar em contato com um hospedeiro já infectado anteriormente, ou de transmitir o T. cruzi caso ele próprio já abrigue o parasito no seu trato digestivo. Durante o dia esses insetos se escondem em abrigos que, na natureza, podem ser ninhos de pássaros, troncos caídos ou cascas de árvores onde permanecem e se reproduzem. Algumas espécies se adaptaram ao ambiente humano (principalmente rural, em casas de taipa, galinheiros, chiqueiros) eapós chegarem dentro das residências (geralmente atraídos pela luminosidade) escondem-se em alguma fresta ou atrás de móveis e quadros nas paredes. Formaram, portanto, ao longo do tempo, um ciclo doméstico e peridoméstico independente do ciclo silvestre. O alimento fácil, pela presença de moradores (humanos, cão, gato), e uma ótima proteção (frestas do barro ressequido nas paredes) facilitam a procriação. Essa domiciliação dos “barbeiros” representa um exemplo típico de sinantropia, isto é, adaptação de um animal silvestre ao domicílio humano após a alteração do ambiente.Da zona rural têm passado para as zonas periurbana e urbana, uma vez que o camponês, no êxodo rural constrói a favela e, com a mudança, traz exemplares de “barbeiros”, que se estabelecem nas cidades 5.

Pesquisas recentes mostram que mais de 180 espécies de mamíferos, sejam domésticos, sinantrópicos ou silvestres, especialmente os roedores e marsupiais (Marsupialia, Didelphidae) construtores de ninhos, são também infectados pelo T.cruzi e também podem estar envolvidos com a transmissão da doença de Chagas 6.

Foi o médico, pesquisador e sanitarista brasileiro Carlos Justiniano Ribeiro Chagas (1879-1934) quem identificou e descreveu o protozoário Trypanosoma cruzi (nome da espécie dada em homenagem à Oswaldo Cruz), em 1909. Descreveu também a sua transmissão pelos insetos triatomíneos e ainda caracterizou a doença que hoje leva o seu nome e que afeta quase 18 milhões de pessoas 1.

No Brasil, a primeira referência sobre a presença de uma espécie de triatomíneo em domicílio foi do Panstrongylus megistus,relatado por Gardner (1942) ao descreve-lo em suas expedições no nordeste brasileiro, entre 1836 e 1841 4. Há o registro dessa mesma espécie em diversos bairros da cidade de Salvador, inclusive no bairro populoso do Pelourinho, até meados do século passado 2. A chegada dos colonizadores, o desmatamento das florestas e as novas formas de moradias humanas, provavelmente favoreceram a adaptação desses triatomíneos transmissores da doença. Atualmente, outras 4 espécies são consideradas de importância epidemiológica na transmissão da doença de Chagas:  Triatoma infestans, T. brasiliensis, T. pseudomaculata e T. sordidae.

Não se sabe ao certo quanto à ocorrência da doença em residentes da cidade de Salvador ao longo dos séculos passados, mas pelo histórico dos triatomíneos, é bem provável que acometesse a população soteropolitana. Por ser de caráter crônico não foram registrados surtos epidêmicos da doença em Salvador.

A doença de Chagas, afeta cerca de oito milhões de pessoas no mundo e até 100 milhões estão em risco direto de contágio na América Latina, o que torna esta doença a causa número um de doenças cardíacas infecciosas no continente 7. É a principal causa de morte provocada por parasitas na América, endêmica em 21 países e responsável pela morte de 12.000 pessoas ao ano. Mata mais pessoas na América Latina (14 mil mortes/ano) do que qualquer outra doença parasitária, incluindo a malária. É uma das principais causas de cardiomiopatia infecciosa em todo o mundo, com alto impacto social e econômico, incluindo desemprego e diminuição da capacidade produtiva 7.

 

Referências utilizadas:

  1. COX FEG. History of Human Parasitology. Clin Micorb Rev 2002 15 (4): 595-612.
  2. DIAS-LIMA, AG, SHERLOCK IA. Sylvatic vectors invading houses and the risk of emergence of cases of Chagas disease in Salvador, State of Bahia, Brazil. Memorias do Instituto Oswaldo Cruz, v. 95, n. 5 p. 611-3, sep.-oct. 2000.
  3. FERREIRA LF, JANSEN AM, ARAÚJO A. Chagas disease in prehistory. Anais da Academia Brasileira de Ciências (2011), 83 (3):1041-1044.
  4. GADNER G. Viagens no Brasil, principalmente nas províncias do norte e nos distritos do ouro e do diamante durante os anos de 1836-1842. São Paulo. 2 ed. v. 223, p. 467, 1942.
  5. NEVES DP. Parasitologia Humana. 11a ed. São Paulo. Atheneu. 2005.
  6. NOIREAU F, DIOSQUE P, JANSEN AM. Trypanosoma cruzi: adaptation to its vectors and its hosts. Vet.Res. (2009) 40:26.
  7. PONTES F. Doenças negligenciadas ainda matam 1 milhão por ano no mundo. FINEP. Inovação em Pauta no. 6, 69-73, 2012.
  8. REY L. Parasitologia. 4a ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan. 2008.
Como citar esta página: – Dias-Lima AG, Brazil TK. Doença de Chagas. Museu Interativo da Saúde na Bahia. Disponivel em: https://www.misba.org.br/doenca/doencas-parasitarias/doenca-de-chagas/. Acesso em: 24/04/2024 13:00:40.